terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Impactos sociais dos grandes projetos no Espírito Santo e seus reflexos na Região Metropolitana da Grande Vitória entre 1950 e 1990

[...] foi a partir da inserção da RMGV nessa nova lógica econômica, ou seja, a implantação dos Grandes Projetos Industriais, que surgem uma série de problemas característicos de regiões com perfilurbano-industrial, tais como: falta de moradia e de saneamento, violência urbana, entre outros. (MATTOS, 2012, p.10-11) 

Segundo Silva e Dadalto (2014), todo este processo de modernização da economia do estado do Espírito Santo refletiu em questões socioeconômicas, culturais, espaciais. Para Lira et al (2014) a crise cafeeira, de meados de 1950, e a conseqüente adoção da política de erradicação de cafezais atingiu, no Espírito Santo, principalmente os pequenos agricultores. Isso, pois, naquele momento,“o Espírito Santo, que notadamente era conhecido pelo café de baixa qualidade, foi o estado mais afetado por essa política, tendo 53,8% de seus cafezais erradicados, contra 26%, 28% e 33% de São Paulo, Paraná e Minas Gerais, respectivamente” (SIQUEIRA, 2001 apud LIRA et.al. 2014). Essa política nacional foi implementada pelo Grupo Executivo de RecuperaçãoEconômica da Cafeicultura em duas fases: 
[...] a primeira no período de julho/1962 a julho/1966, naqual foram erradicados 723,5 milhões de pés e, - a segunda de agosto de 1962 a maio de 1967,com a erradicação de 656 milhões de pés, o programa de erradicação atingiu todas asregiões produtoras do país. No entanto, algumas delas tiveram, proporcionalmente, um maiornúmero de pés erradicados, como foi o caso do Espírito Santo. (LOUREIRO, 2005, p.4)
Essa erradicação provocou, conforme dados da Secretaria de Planejamento do Governo do Estado do Espírito Santo presentes no estudo de Silva e Dadalto (2014), a saída imediata de mais de 150 mil pessoas do campo rumo à região da Grande Vitória. 
[...] a erradicação provocou o êxodo, de uma única vez, de 150 mil pessoas. Esse processo modificou os rumos da estrutura econômica do Espírito Santo que se direcionou ao padrão industrial internacional com a instalação de plantas industriais – então denominadas “grandes projetos industriais” – na região da Grande Vitória. (SILVA & DADALTO, 2014,p.4) 
No entanto, salienta Mattos (2011), a Região Metropolitana da Grande Vitória não possuía uma infraestrutura básica que suportasse tamanho fluxo migratório, que além de receber a população oriunda do interior do ES, recebia também pessoas originárias do norte do Rio de janeiro, oeste de Minas Gerais, sul da Bahia. O que contribuiu, de acordo com a autora, para um padrão de urbanização excludente e desigual. Isso, pois todo o planejamento estatal do período:
[...] não criou nenhuma política capazde absorver o grande contingente de mão de obra de baixa qualificação, advindo do campo, num primeiromomento inserido nas obras de construção dos Grandes Projetos Industriais e, com a conclusão dos mesmos,colocado fora do mercado de trabalho formal. É nessa falta de perspectivas que surgem no Espírito Santo osloteamentos clandestinos. (MATTOS, 2012, p.11) 
Tal padrão pode também ser observado a partir dos Silva e Dadalto (2014), Loureiro (2005).Esta mudança nos fluxos refletia a própria realidade nacional da época. Até meados de 1940 e 1950, a população brasileira ocupava basicamente as regiões rurais. No entanto, segundo Brito (2006) com o início do processo de industrialização esta realidade começa a mudar. De acordo com o autor essa realidade relata ainda que na década de 1960 que a população urbana se tornou superior à rural. 
Em 1920, o Brasil contabilizava uma população de 27,5 milhões de habitantes e contava, apenas, com 74 cidades maiores do que vinte mil habitantes, nas quais residiam 4,6 milhões de pessoas, ou seja, 17% do total da população brasileira. Dos que residiam nas cidades, mais da metade deles se concentrava na Região Sudeste. (BRITO, 2006, p.221-222) 
No que se refere aos fluxos populacionais, é possível visualizar no estudo ‘Dinâmica Populacional de Vitória’¹  (figura 1) o quanto cidades como a capital Vitória, sofremcom acréscimo populacional. Foram aproximadamente 200.000 moradores entre os anos de 1950 e 1990. Observa-se ainda que, neste período, as cidades mais impactadas quantitativamente com esses novos moradores foramà cidade de Cariacica e Vila Velha. Em Serra, este movimento apenas se inicia de maneira mais significativa, a partir de 1970 (figura 1).


Entre 1940 e 1970, o quantitativo populacional do município serrano praticamente não se altera. Apesar de segundo Carneiro (2012 apud SILVA & DADALTO, 2014) a Serra ser o município que, se considerados o período entre 1960 e 2010, mais recebeu imigrantes (crescimento de 4350%). 

Outro aspecto relevante de ser mencionado é que conforme aponta Fortunato (2011 apud SILVA & DADALTO 2014), esse modelo de indústria de transformação altamente especializada voltada a comercialização com o mercado exterior instalado no estado, não absorveu a mão-de-obra local. Em 1977, a geração de empregos caiu de 13,60% para 11,35%. Restando-lhes as vagas de emprego que não possuíam remuneração significativa. Isso fez com que, por conseqüência, esses imigrantes não tivessem condições de econômicas de ocupar as regiões mais nobres de cidades como Vitória, por exemplo. Assim Mattos (2012) evidencia em seu estudo que, a distribuição espacial da população refletia esse contexto. 
[...] na Grande São Pedro, a distribuição espacial da população com basenos rendimentos possui correspondência direta com a categoria sócio-ocupacional (trabalhadores domésticos,ambulantes, biscateiros e prestadores de serviços não especializados), pois a região concentra o maiorcontingente de pessoas sem rendimentos de Vitória, o que sinaliza uma situação de desemprego, e, na quase totalidade, prevalece à categoria de trabalhadores do terciário não especializado [...](MATTOS, 2012, p.13-14) 
Neste período, conforme relata Mattos (2012), regiões como a ala oeste da do município de Vitória, sofrem com a formação de comunidade extremamente carente. Isso devido ao fato de esses trabalhadores advindos do processo migratório não detinha a especialização exigida pelo mercado de trabalho que surgira. 

Por fim, restavam-lhes apenas ocupar os locais onde a especulação imobiliária não atuava de maneira tão intensa. Resultando assim, na ocupação de áreas como as da Grande Terra Vermelha (Vila Velha) e Grande São Pedro (Vitória) e do município de Cariacica.

Considerações finais 

A literatura analisada nesta pesquisa revelou duas faces distintas de um mesmo processo de modernização. De um lado, notam-se grandes avanços, principalmente no sentido da diversificação da economia capixaba. De outro, tem-se o fato de todo este processo de articulação da economia espírito-santense com o mercado nacional e internacional, deixar as questões sociais à margem das discussões.

De maneira geral, os planos econômicos adotados no período, foram de extrema importância no processo de modernização de toda a escala de produção do Espírito Santo. No entanto, o que observa nos planos adotados entre 1950 e 1990, é a predominância de uma perspectiva puramente desenvolvimentista. Assim, desenvolver-se é visto, mais do nunca, como controle de inflação e estimular o crescimento Produto Interno Bruto (PIB).

Em detrimento disso, milhares de pessoas foram forçados a sair de suas regiões, rumo aos centros urbanos. E ao chegar às cidades, eram e ainda são condicionadas a ocupar as áreas de risco, conforme nota-se em municípios como o de Cariacica, e, por conseqüência, viver em condições muito aquém daquelas presentes em seus locais de origem. O que revela um modelo de desenvolvimento econômico que beneficia pouco ou nada a coletividade onde se instala.

Espera-se que as informações dispostas neste estudo possam contribuir com as lutas das comunidades no sentido de se romper com essa lógica de desenvolvimento econômico dissonante das questões sociais e ambientais.

Por fim, conclui-se reconhecendo a importância do planejamento estatal. Todavia, acredita-se que este deve ser pensado junto às comunidades, possibilitando assim que estas também possam decidir os rumos da região em que ocupa cotidianamente. Neste sentido, compreende-se que estudos mais detalhados sejam necessários, tendo em vista desnudar cada vez mais os dados amplamente divulgados por órgãos e empresas oficiais de pesquisa.


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¹Estudo elaborado pelos pesquisadores: Aurélia Herminia Castiglioni e Gutemberg Hespanha Brasil. Este compõe os dados do projeto de planejamento "Agenda Vitória: 2008-2028 da Prefeitura Municipal de Vitória.

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Referências Bibliográficas

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CALIMAN, Orlando. Formação Econômica do Espírito Santo: de Fragmentos do Período Colonial à Busca de um Projeto de Desenvolvimento.Disponível<http://www.rigs.ufba.br/pdfs/RIGS_v1_n2_art2.pdf> em acesso 25 nov 2015. 

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ECONOMIABR. Commodities. Disponível em<http://www.economiabr.net/economia/5_commodities.html > acesso 25 nov 2015. IGLESIAS, Roberto. Determinantes do crescimento econômico do Espírito Santo: uma análise de longoprazo.Disponível em acesso 25 nov 2015. 

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LIRA, Pablo Silva; OLIVEIRA JUNIOR, Adilson Pereira de; MONTEIRO, Latussa Laranja (Ed.). Vitória: transformações na ordem urbana. 1. ed. Rio de Janeiro: Letra Capital: 2014. 393 p. (Série estudos comparativos).

LOUREIRO, Klítia. A modernização econômica do Espírito Santo e a ação dos agentes políticos locais. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23., 2005, Londrina. Anais do XXIII Simpósio Nacional de História – História: guerra e paz. Londrina: ANPUH, 2005. CD-ROM. 

MATOS, Patrícia de Oliveira. Análise dos Planos de desenvolvimento elaborados no Brasil após o II PND.[Piracicaba]2002. Disponível em <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/11/11132/tde-08012003-110722/pt-br.php>acesso 01 dez 2015.(Dissertação Mestrado)

MATTOS, Rossana. Segregação socio espacial e ambiental em São Pedro (Vitória – ES/Brazil). In: VII CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA, 19-22., 2012. Anais do VII Congresso Português de Sociologia – Sociedade Crise e Reconfigurações. Disponível em <http://www.aps.pt/vii_congresso/papers/finais/PAP0414_ed.pdf>acesso 25 nov 2015.

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SILVA, Madson Gonçalves da; DADALTO,Maria Cristina. Os efeitos da industrialização e das migrações no espírito santo: o caso da Serra. Anais... Semana de Ciências Sociais- UFES.[Vitória], 2014. Disponível em <http://periodicos.ufes.br/SCSUFES/article/view/8908> acesso 25 nov 2015

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