Publicado originalmente no Carta Capital e republicado no Portal Geledes¹
Imagem/Divulgação² |
Em quase todas as discussões sobre racismo, aparece alguém
para dizer que já sofreu racismo por ser branco ou que conhece um amigo que
sim. Pessoa, esse texto é para você.
Não existe racismo de negros contra brancos ou, como gostam
de chamar, o tão famigerado racismo reverso. Primeiro, é necessário se ater aos
conceitos. Racismo é um sistema de opressão e, para haver racismo, deve haver
relações de poder. Negros não possuem poder institucional para serem racistas.
A população negra sofre um histórico de opressão e violência que a exclui.
Para haver racismo reverso, deveria ter existido navios
branqueiros, escravização por mais de 300 anos da população branca, negação de
direitos a essa população. Brancos são mortos por serem brancos? São seguidos
por seguranças em lojas? Qual é a cor da maioria dos atores, atrizes e
apresentadores de TV? Dos diretores de novelas? Qual é a cor da maioria dos
universitários? Quem são os donos dos meios de produção? Há uma hegemonia
branca criada pelo racismo que confere privilégios sociais a um grupo em
detrimento de outro.
Em agosto deste ano, Danilo Gentili quis comparar o fato de
ser chamado de palmito com o fato de um negro ser chamado de carvão. E disse
ser vítima de racismo, mostrando o quanto ignora o conceito. Ser chamado de
palmito pode até ser chato e de mau gosto, mas racismo não é. A estética branca
não é estigmatizada. Ao contrário, é a que é colocada como bela, como padrão.
Danilo Gentili cresceu num País onde pessoas como ele estão em maioria na
mídia, ele desde sempre pôde se reconhecer. Pode até ser chato, mas ele não é
discriminado por isso. Que poder tem uma pessoa negra de influenciar a vida
dele por chamá-lo de palmito? Nenhum. Agora, um jovem negro pode ser morto por
ser negro, eu posso não ser contratada por uma empresa porque eu sou negra, ter
mais dificuldades para ter acesso à universidade por conta do racismo
estrutural. Isso sim tem poder de influenciar minha vida. Racismo vai além de
ofensas, é um sistema que nos nega direitos.
Gentili com esse discurso de falsa simetria só mostra o
quanto precisa estudar mais. Não se pode comparar situações radicalmente
diferentes. Quantas vezes esse ser foi impedido de entrar em algum lugar por
que é branco? Em contrapartida, a população negra tem suas escolhas limitadas.
Crianças negras crescem sem auto-estima porque não se veem na TV, nos livros
didáticos. Mesmo raciocínio se aplica às loiras que são vítimas de piadas de
mau gosto ao serem associadas à burrice.
É óbvio que se trata de preconceito dizer que loiras são
burras e isso deve ser combatido. Mas não existe uma ideologia de ódio em
relação às mulheres loiras, elas não deixaram de ser a maioria das
apresentadoras de TV, das estrelas de cinema, das capas de revistas por causa
disso. Não são barradas em estabelecimentos por serem brancas e loiras. Sofrem
com a opressão machista, sim, mas não são discriminadas por serem brancas
porque o grupo racial a que fazem parte é o grupo que está no poder. Há que se
fazer a diferenciação aqui entre sofrimento e opressão. Sofrer, todos sofrem,
faz parte da condição humana, mas opressão é quando um grupo detém privilégios
em detrimento de outro. Ser chamado de palmito é ruim e pode machucar, mas não
impede que a pessoa desfrute de um lugar privilegiado na sociedade, não causa
sofrimento social.
Uma amiga, na infância, uma vez, não deixou que eu e meus
irmãos entrássemos na sua festa, apesar de nos ter convidado, porque seu tio
não gostava de negros. E nos servia na calçada da casa dela até que,
indignados, fomos embora. Alguma pessoa branca já passou por isso
exclusivamente por ser branca?
Muitas vezes o que pode ocorrer é um modo de defesa, algumas
pessoas negras, cansadas de sofrer racismo, agem de modo a rejeitar de modo
direto a branquitude, mas isso é uma reação à opressão e também não configura
racismo. Eu posso fazer uma careta e chamar alguém de branquela. A pessoa fica
triste, mas que poder social essa minha atitude tem? Agora, ser xingada por ser
negra é mais um elemento do racismo instituído que, além de me ofender, me nega
espaço e limita minhas escolhas. Vestir nossa pele e ter empatia por nossas
dores, a maioria não quer. Melhor fingir-se de vítima numa situação onde se é o
algoz. Esse discursinho barato de “brancofobia” quando a população branca é a
que está nos espaços de poder faz Dandara se remexer no túmulo.
Não se pode confundir racismo com preconceito e com má
educação. É errado xingar alguém, óbvio, ser chamado de palmito é feio e bobo,
mas racismo não é. Para haver racismo, deve haver relação de poder, e a
população negra não é a que está no poder. Acreditar em racismo reverso é mais
um modo de mascarar esse racismo perverso em que vivemos. É a mesma coisa que
acreditar em unicórnios, só que acreditar em cavalos com chifres não causa mal
algum e não perpetua a desigualdade.
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¹ Disponível em Geledés
http://www.geledes.org.br/falar-em-racismo-reverso-e-como-acreditar-em-unicornios/#ixzz3pyAx2yUO. Acesso 29 out 2015
² Tirinha disponível em <https://ultralafa.files.wordpress.com/2015/08/tirinha-racismo.jpg> acesso 29 out 2015.
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